terça-feira, 8 de dezembro de 2009

Genesis

Acho que se não fosse aquele dia, não tardaríamos a deixar de saber sobre a existência de João. A existência, como a realidade em nossa volta é apenas uma questão de referência. João para mim existe, assim como uma epifania a um alucinado. São coisas a primas e pares. Não, talvez ele de fato exista de forma independente e apenas queria ser notado, sob a pena de ter sua presença naquele útero ser confundida com uma simples cólica e ser jogada pela privada com o excesso de medicação prescrita. Ao descobrir que de fato estava grávida e, em um rápido retrospecto suspeitar de Rafael em sua paternidade, ela passou a tentar resolver de forma mais rápida e direta possível. Os pais de ambos os lados concordavam em matrimônio consentido e o nascimento de João. A semana seguinte a descoberta foi caótica, com arranjo de cerimônia, a mais discreta possível, datas, igrejas (A família de Aline era judaica, enquanto a de Rafael, evangélica), e outros detalhes que rodearam a mente de Aline, que repousava no sofá, sob o sol de Março. Aquele ócio, como qualquer outro é algo desagradável, inspirador, porém irritante e repetitivo. Aline o sentia na pele, e quando tentava se recolocar de pé era rapidamente contida, tudo pelo bem do bebê. Se sentia um casulo, sem vontade nem nada, cujo papel era alimentar e cultivar aquele que de forma inesperada aparecera.

Um sentimento de raiva de nada a tomava, afinal a culpada fora ela no final das contas. Ao mesmo tempo, aos poucos era levada pelo clima que agora levava sua vida (às vezes somos apenas passageiros) e chegava a querer bem a vinda de João. E mal foram acertados os detalhes e estávamos no fins de Junho. Rafael era visto sorrindo nas fotos (e os olhos ?), com Aline, os beijos, as mascaras. A lua de mel seria em Ilha Bela, na ressaca paulista de agosto. Dali que o nome fora escolhido, Rafael queria Pedro, santo forte, que guardaria o menino. Já ela preferia João, não pelo apóstolo (acho que era João), mas por acreditar que herdara a força e determinação da vida de sua bisavó Aline, que viera da Alemanha nazista e protegera os irmaõs (um deles João) em sua fuga ao Brasil. Preferiu-se a fusão, João Pedro Heckenbauer de Olinda.

E Setembro chegou, com o arrepio na espinha, a brisa batia e sussurrava, de forma contínua e ligada. Soprava a Rafael, quando saia a trabalhar, também nas plantas, na areia que enchia a casa, na janela que assobiava a melodia, melodia suave, quase quieta. A hora chegava, João já estava a quase 9 meses de espera. Aline passou a sentir novamente as cólicas anteriores. Lembrou das tardes repousada no divã do apartamento em São Paulo, e quando conversava com o médico da familia, em suas consultas. Lembrou do dia, em que ela descobriu de sua gravidez, da noite que dormiu com Rafael. Pensou nisso enquanto dormia. Não dormiu e ficou pensando o que seria dali em diante. Não tinha boas expectativas como uma mãe antes dos 30. Todavia, era um menino, e a esse ponto as coisas eram irreversíveis. O vento soprava, ela tentou cochichar com Rafael, sabia que ele não poderia pensar diferente. O pensar já doia o peito, a cabeça, o tudo. Não sabia o que fazer. Pela primeira vez ela não sabia o que ia acontecer amanhã. Daria tudo certo, como trabalhar e criar João, e a carreira e a vida, e a advogada. Estava num tribunal interior, onde era a réu, a promotora e o juiz. A raiva se si voltou, junto com as dores, que puxaram a madrugada.E enfim a hora chegou.

No hospital, Aline, em bufadas de dor, pode dar a luz a João. Rafael chorava, os pais não viriam pelo menos antes do dia seguinte. Era uma manhã de primavera de Setembro. Com os ralos cabelos, os olhos esbugalhados e o rosto redondo. João repouso no seio da mãe. Esta, respirou de alívio. Foi nessa hora, que ela olhou a Rafael e disse:

- Sabe, eu acho que Moacir era um bom nome também

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