sábado, 26 de setembro de 2009

O Revellion de 1995 - noite das luzes caleidoscópicas

"One more time... One more time... One more time, we gonna celebrate, oh yeah, oh right don't stop dancing... " Daft Punk brotava das caixas de som do clube, ao seu volume máximo, luzes caleidoscópicas desorientavam quem alí se encontrava. Jovens as centanas bebendo o que podiam e não podiam, o mundo não tem amanhã, pelo menos hoje. Estamos em 31 de Dezembro de 1995, rave do ano novo, havia muito o que se celebrar. Havia muito para se experimentar e sentir, afinal aquele ano fora muito produtivo, pelo menos para duas almas jogadas nesse mar de neon.

Rafael (19 anos) estava eufórico, era a primeira vez que ia na balada este ano, não que ele não gostasse, ou que faltassem baladas nessa época. Rafael era um vestibulando, pretendia medicina e havia feito vestibualres de todos os tipos e formatos possiveis. Arrombara sua mente de logaritmos, prosopopéias, estequiometrias, datas e locais . Tivera incontáveis noites mal dormidas, além da própria exclusão social que se submetera. Mas afinal o cursinho o recompensara, havia sido aprovado para a segunda fase de várias faculdades. Mas isso hoje não importa. Era um bicho, havia sobrevivido e estava alí, pele branquela que mal conhecera o sol aquele ano. Era um zumbi vencido pelas infinitas apostilas e fórmulas e precisava lavar sua cabeça. Sentia o gosto de alcool, numa suave mistura com boca, música e outra boca e mais uma. Não há segunda fase, ele passou, podia acabar-se o mundo amanhã, mas não hoje, hoje "we gonna celebrate... celebrate and dance so free".

A alguns metros de distância, Aline (25 anos) também tinha o que comemorar. Terminara a defesa de tese a uma semana e recebera a uns 2 dias atrás a notícia que havia sido aprovada pela mesa da faculdade de direito, podendo enfim se chamar de advogada. Estava com algumas amigas que se espalharam por aquele imenso salão. Seus pés se moviam freneticamente, ao ritmo da batida e do refrão que se repetia várias e várias vezes, dando a impressão que ela estava presa no tempo, para sempre naquele lugar, naquela euforia bêbada, naquele paraiso de luzes dancantes.

Rafael, pelo impeto, balançava de um canto a outro, em busca de mais euforia. Percebeu Aline, que agora havia sentado numa das várias cadeiras, com uma mão uma lata de cerveja. Sentiu no alccol, e foi aos vagarosos passos em sua direção. O salão camufalava as cadeiras, que uma a uma, Rafael encontrava de frente. Aline tentou ao máximo esconder o sorriso entre seus lábios. A lua brilhava de forma espetacular, a expectativa era alta. Adeus ano velho, se poderia ouvir de longe, soprado pelas rodas familiares e ou amigos. Mas estamos na terra da musica descompassada, mecânica e repetitiva ("... one more time, one more time ..."), e que se repetia, em que mal se via o chão, em que sua mente não lhe pertencia, e sim ao inaudivél e contagiante aroma das pílulas, anfetaminas, e outras, eternas companheiras das noites de luzes caleidoscópicas.

Cambaleando, chegou enfim, preferiu não sentar, para não ter que ficar alí. Estava diante, face a face, pensou o mais rápido que pode, antes que o silêncio o constrangesse:

- Você é bonita...

- E você um moleque - respondeu entre leves risadas, em seguida tomando um gole do copo.

- Só pareço.

- Tem quantos anos moleque?

- 21- tentou mentir.

- Se tiver 19 é muito.

- E se eu tivesse isso, você ainda me beijaria?

- Ahh - abriu o sorriso encabulada, caso estivesse com suas amigas, ja o teria feito, todavia - só beijo homens, não meninos

- Por que não experimenta?

Ele emudecera, estava pensando na resposta, mas viu nos olhos daquele moleque bêbado e atrevido o mesmo que Rachel viu em João, o sorriso que Rafael no rosto dele desencadeou o ato. E ficaram ali, trocando beijos e carícias por um tempo, depois passaram a conversar mais seriamente, a medida que a noite permitia. Decobriram tanto em comum, que cada vez que um achava por encerrada a conversa, o outro a emendava, de forma tão despretenciosa, tão unica, que os fez as horas irem em montes e ainda mal tinham começado. As amigas, ao verem ela não mais sozinha, fizeram um sinal, avisando que iriam embora. Ela consentiu. E logo vieram as carícias. Passado uma hora. Ele parou, olhou ao relógio. Uma e meia. Olhou de volta para Aline, tentando fixar seu rosto, para que não fosse levado embora, junto com a embriaguez. Ia levantando, quando ela o tomou pelo braço ("...celebrate and dance so free..."). Ambos sentiram a música mais forte, apesar de já ter parado de ser tocada há muito tempo. Perguntou se queria ir para casa. Rafael exitou, tinha medo de ser repreendido caso sumisse. Ela morava perto disse, poderia voltar e chegar um pouco mais tarde.

Carro, portão, sala, quarto, silêncio. A madrugada foi calma. Quando Rafael acordou, de depararou nú, enroldado na pele macia de Aline. Levantou, se vestiu rapidamente, exitou por um segundo. Viu o corpo dela, contorcendo-se delicadamente no colchão, dormida, sorrindo maliciosamente, com os raios de penumbra invadindo aquele pedaço de escuro, e banhando o dourado de sua pele nua e dura. Fora a primeira vez que Rafael tivera sexo, e por isso, achou melhor rascunhar o numero de casa para que ela pudesse ligar. Saiu, como entrou, despercebido.

Horas depois, Aline acorda sozinha na cama, zonza da noite passada, aquele moleque sabe como dar conta do recado, pensou. Viu o bilhete, com o nome ("Qual era o nome, ahh sim, Rafael") com o numero. Ligou o radio e foi ao banheiro. 1º de Janeiro, começava a manhã de 1996 ao som do sucesso de Daft Punk...

"One more time, one more time ..."

quarta-feira, 9 de setembro de 2009

Desculpa Literária

Acho que deixei vocês, caros leitores, ligeiramente confusos com essa enxurrada de coisas. Se esse for o caso, me desculpe. Caso não saiba, ainda sou um amador, suscetível a intempéries de pensamentos, uma corrente não contínua de idéias e lugares e coisas, que juntas, dizem em coletivo o que vieram a dizer, compondo a doce, e aguda melodia urbana. Todavia, deveria ser meu papel, como jovem observador, de ordenar tal bagunça, tornando-a compreensível aos seus olhos. Por isso, mais uma vez, me desculpo, e deixo a promessa de me linearizar, é preciso focar no essencial.

Pois bem, vamos logo retomar com João. Tínhamos o deixado ali, moribundo e dolorido, após a briga enciumada com seu melhor amigo, Fernando, que no fundo não tinha culpa alguma, quem sente amor, sente dor, é assim que as coisas funcionam afinal de contas. Quem ama não se culpa, apenas é culpado por sonhar. Depois daquilo seria necessário algum tempo para que o contato entre ambos voltasse a ser como antes.

Depois da saída, Rachel até que pensou em falar com João, falar ou tentar ficar perto dele, mas preferiu que não. Melhor assim. Nos deixa rapidamente retomar as coisas. Bem, o que falta? Ah, sim. João tem uma irmã, caso não lembre, maninha Lúcia, maninha, era uma pétala frágil, branca e delicada, que trazia alegria ao apartamento em que João morava. Bem, além de maninha, o pai. Ausente, um rosto nas poucas fotos em que tiravam juntos, ora em eventos da empresa, ou ainda em festividades com os poucos parentes que podiam visitar á aquela pequena família de rostos e sorrisos em pequenas janelas empoeiradas.

João está só. Apesar de ser o menino mais popular da escola, aquele que já saiu e beijou quase todas as meninas da escola, estudando pouco mais de dois anos e meio ali. Maninha era seu consolo, lógico, aquela criatura delicada e sem gosto. Menina de nove anos em seu esplendor de inocência. Puxava insistentemente o braço de João, que se distraia, depois da aula, admirando a fúria com que cruzavam os carros, na rua que dava em frente à escola. João tinha a cara ainda marcada. E, além disso, seu pai lhe dissera que poderia demorar, deixando João ali, com maninha, que ainda puxava o braço até o ponto de tirar-lhe um irritado “O que foi maninha?”:

- João, que aconteceu na sua cara?

- Ah, sei lá – cutucava a casquinha em seu antebraço.

- Fala pra mim, João, faz desde quando a gente saiu da escola que você não fala nada pra mim

- Tudo bem, eu briguei com o Nando – saiu como um desabafo

- Por que?

- Não sei, ele veio do nada, me bateu, e eu bati de volta.

- Mas por que?

- Não sei maninha, por que tanta pergunta?

- Ah João, porque me importo com meu irmão né?

Aquilo bateu no peito de João, por um instante ouve um embaraçador silêncio cobriu a conversa entre os dois. Os carros ainda cortavam o asfalto, acima do limite estabelecido. Vai e passa e passa e passa mais outro. João olhava e esperava que o próximo fosse o de seu pai. E os dois ficaram de pé por algum tempo, até decidirem sentar na calçada. Maninha queria entrar para continuar brincando com os poucos colegas que ainda esperavam por seus pais. Pedia para João, que repelia, dizendo que ele poderia vir a qualquer hora.

Passou-se assim quase uma hora, e sem sinal daquele que seria o carro que os levaria para casa, apenas similares, que aumentavam as esperanças de ambos, que chegavam a acenar, mas ao perceberem que se tratava de um carro igual, não o próprio, recolhiam tímidos os braços e soltavam algumas risadas para passar o tempo. Mais meia hora e nada. Finalmente o pai liga para João. Num tom de voz agitado, quase que mecânico, ele pede que os dois tomem o metrô e o encontrassem na saída do terminal mais próximo do escritório.

Quase cinco da tarde e lá estão. Dois pequenos, na cidade dos gigantes, estão ali, rumo à estação, o céu entristecia a tarde, seca e alaranjada. Sempre presa ao anel protetor que formava a mão de João Pedro, maninha, com sua mochila rosa nas costas seguiu até o guichê da compra, ouviu João pedir as passagens, se espremeu pela catraca e pela gente que entrava no trem. Já no vagão, com sorte, os dois encontraram um banco vazio. João ficou pela janela, olhando as pessoas paradas se moverem bem depressa, e em seguida o muro. Estava com os olhos vazios, admirando a velocidade com que já estava habituado. Dalí a três estações faria o baldeamento, rumo a Av. Paulista. Aproveitava as vezes que pegava o metro admirando aquele túnel que seguia e seguia, e ali vem a estação. Mais gente, menos ar.

Aqui preciso parar um minuto. Sei que prometi que não o faria, mas o ímpeto, esse o verdadeiro culpado me impede. Precisamos regressar outra vez, todavia agora, um pouco mais. É preciso regressar para quando tudo era nada, e que João era outro. Sim, exatamente. O Reveillon de 1995.