sexta-feira, 28 de agosto de 2009

A sala cor pastel

Afinal chega segunda-feira, voltamos as aulas, João tambem, era uma segunda sem graça e tom pastel, como a sala da diretora Marciliana Ferro. Conhecia João desde os 9 anos, quando fez sua primeira aparição na sua sala, na época outra, colorida, com um ceu azul e nuvens fofas. Naquele dia antigo, João estava com olhos e nariz vermelhos, e fungava, como se puxasse para si um choro inevitável, tinha brigado com uma menina por ela não ter lhe dado um mísero pedaço de doce, sendo que ele, sempre dava, quando era pedido. Magra esquelética, Marciliana recostava-se, e com sua postura academica, recordava em seu interior do episódio e notava como 4 anos passam rápido.

João tambem estava lá, quase que deitado contra a poltrona, no canto da sala, ao lado de Fernando. Os dois estavam ligeiramente abatidos, transpirando ainda, hematomas e sangramentos, desenhavam a vazia fisionomia dos dois, formada no ferrenho discurso de Marciliana Ferro, que afinal só queria ser uma boa educadora, eles por fim, concordaram em pedir desculpas e chegaram a se abraçar para agradar Marciliana, que sabia no fundo que daqui uma semana estaria repetindo o mesmo, conhecia bem Fernando e João, então, para quem foi o discurso? "É preciso tentar"- murmurou ela, após a saida dos brigões-"ao menos, tentar".

Enquanto voltavam para a sala, não se ouviu nenhuma palavra, um ensurdecedor silêncio, de quem mal atura olhar no rosto do outro agora. Era o que sentia Fernando, um mal estar, enquanto limpava com a barra um restinho de sangue no canto da boca. João, cabisbaixo, pensava, suspirou fundo e pensou em acelerou o passo, porem, no corredor, ha alguns metros da aula mais entediante de português possivel, eis que surge Rachel, a caminho do banheiro. No mesmo instante, Fernando e João param, enquanto Rachel, surpresa e assustada em revelos tão subitamente apenas corre ao banheiro sem olhar para tras.

Eles acompanham com o olhar até os cabelos de Rachel mergulharem pela porta, em seguida sem entreolham-se, por que ainda sentiam ódio, resolvem que o melhor é entrar logo. O relógio marcava 10 e meia. Não vamos tirar mais nada disso, a não ser que voltemos um pouco os ponteiros.

20 minutos antes da primeira aula do dia, umas 7 horas marcava o empoeirado relogio, chegava Fernando. Estava alem de sonolento, ligeiramente abatido. Esperava que revendo o sorriso do doce veneno de Rachel o aliviaria um pouco. Estava mal por que chegara a conclusão que nem todo doce do mundo substituia um amor sincero, e que percebia que podia buscar em Rachel, algo que o acalmasse, afinal, ela era dele, isso era claro para ele. Sua impaciencia era tamanha que mal mantinha conversas com seus colegas, se irritando a cada avanço vagaroso de tempo, e ela não chegava, e demorava mais um pouco, e nada. E após 15 minutos de longa espera agoniante eis que surge a heroína, mais bela do que nunca, seu trunfo, sua vitória. Fernando foi ao seu encontro, ate perceber que ela chegou até João, que nunca gostava de ficar com uma menina 2 vezes. Num ato quase que biológico, Rachel o beijou furtivamente, tirando-o da conversa com seu colega.

Fernando não podia acreditar, ele, melhor amigo de João, e não sabia que eles haviam ficado quarta passada, menos de uma semana depois de ter terminado com sua ex, na esperança de ter Rachel. Não podia, não podia. E ainda João se deixava levar, enquato ela se entregava de corpo e alma naquele pedaço de moleque (Fernando sempre fora mais forte e alto que João). Isso era demais, até para um garoto de 13 anos. E sem motivo, palavra, deu-lhe um soco que o derrubou quase que imediatamente João no chão. Rachel assustada com tudo aquilo tentou conte-lo, tentando proteger João, que já tinha sangue brotando dos suaves labios.

Mas não podia, Fernando apesar dos apelos sabia que tinha que ser rapido, provar que valia algo, e ja preparava um chute bem dado, mas João, numa reação rápida já estava de pé, batia forte no joelho de Fernando, e este dobrado, recebe uma joelhada na cara e mais alguns murros. Sem cair, Fernando derruba seu agressor e parte para o massacre, João, com seu desespero se aproveitou se um vacilo, dando forte na virilha e começando a correr. Enquanto a briga seguia, podia ouvir os gritos assustados de Rachel, que não podia negar que, no seu profundo íntimo sentia um mórbido prazer por tudo aquilo. Dois meninos disputando ela. Que amor, que romântico, que lindo, que sangue!

E no meio ja se formava a roda de curiosos, meninos de todas as classes subitamente paravam para ver João sendo arrastado de volta para o circulo, sem antes de espernear e acertar Fernando em cheio na boca. Parecia que iria durar uma eternidade. O ímpeto de Fernando o fazia bater sem parar, e ja exausto, finalmente fora detido pelos inspetores, que só demoraram, por que os poucos que haviam chegado estavam do outro lado da escola, ajudando com a chegada dos menores. Exausto, Fernando bufava enquanto era levado para a cantina, devido ao fato que a diretora ainda não havia chegado. João por outro lado, foi direto para a enfermaria, no meio do caminho Rachel o acompanhava, sem dizer nada, só olhava aquela massa de menino. Não pode disfarçar um sorriso por tudo aquilo, e enquanto olhava os olhos de João podia sentir o que não sentira com nenhum outro antes. Não sabia explicar, por isso sorriu.

E enfim chegou, uma hora depois, Marciliana, que não muito surpresa, chamou os dois a sua bela sala pastel, onde discursou e falou, e se empolgou quando afirmou que era necessario haver uma "convivencia harmoniosa" entre todos na escola. Agora sim, Fernando e João, ainda atordoados, seguiram para a aula mais entediante de suas vidas. Digo entediante não pelo conteúdo, que jamais vai importar algo aos meninos. Entediante digo, sufocada pelos murros e pela latejante vontade de descançar dos ferimentos. Pelo descaso de ambos os pais que se recusaram a comparecer, como que São Paulo estraga as pessoas. E pelo fato que por um par de olhos lindos e que mentiam, para Fernando, e apaixonavam por João, ambos, bons amigos, se trocaram murros. E os olhos de ambos, se odiavam como soldados sem causa, sem porque, sem sentido. Apenas odiavam, querendo apenas recostar nos braços e descançar em mais uma aula de Português.

domingo, 16 de agosto de 2009

Muitos anos depois ...

estava lá diante daquele riacho, hoje menos mágico, sem os bichos mitologicos, ou ainda oa fantasmas que a seguiam na sua cabeça de menina boba. Até o corpo perecera, sem encanto ou cor, branca pálida, onde o único realce de sua pele eram os olhos e o nariz avermelhados, culpa da eterna coriza. Já havia tempo, maninha estava ciente disso, todavia, não podia deixar de recordar, cruzou o riacho e adentrou mais uma vez na mata varzeana, ainda largada. Trazia sob o braço magrelo e tímido umas flores meio que vivas, ainda. A manha já se tornava numa tarde triste, que chorava garoa pelos ombros salientes de maninha. Maninha era como a flor. Só desvariados dessa vida a tragavam, comiam, apreciavam. Era só ela, perdida naquele mundo, em que sobra homens de corações vazios, bem-sucessidos, que chegavam em casa, sorriam, e se acomodavam a observar a vida que imita a arte. Ou será o inverso, ou ainda ambos?
Só sabia que estava só, naquele mundilhão que a cercava e engolfava tudo ao seu redor, "cidade dos infernos" - murmurava - "que a terra a engula e quem nem a memória fique". Maninha não pode e não consegue nada. Só o resmungo carrancudo a alivia.
Ainda sim, sobrou algo daquela doce menina que espreguiçava, ao primeiro sinal de sol. Um inocente sorriso se abria, seguido de uma triste lágrima, diluida na garoa que seguia monótona. Mais adiante estava outro riacho. Ainda puro, ainda limpo, intocado. Cercado pela insistente neblina que acompanhava os passos de maninha. Ela era um mistério, seu vulto se ocultava a cada passo que seguia sua peregrinação. Ao final havia chegado, sem marco, sinal, placa, nada. Não precisava. Parou súbita por um instante, deixou a chuva correr mais alguns segundos, não havia pressa, seus olhos vermelhos escorriam, eram levados pela chuva, que com cuidado os depositavam, saudosos, felizes ao rever aquele chão, que há muitos anos não se via.
Maninha permaneceu imóvel, sorriu, suspirou algo imcompreensivel para nós, mas bem claro na lingua dos anjos, que a acompanhavam, eles tambem choravam, criando a garoa, ao se recordarem.
Por fim, Maninha se deu por si, ensopada, deixou as flores agonizantes naquele quase lamaçal, engoliu seco, e foi-se, dissipando quase que imediatamente a névoa, clareando o que sobrara do dia.

sexta-feira, 7 de agosto de 2009

Aquele tarde foi incrivelmente agradavel. Já no Ibirapuera, João Pedro e a familia: maninha Lúcia e o Pai, foram afinal passar a tarde à beirada do lago. Um dos paraísos imaculados paulistas. Ainda João Pedro vestia a mesma camiseta amassada de ontem, acompanhada de uma bermuda e sandalia, o Pai, cujo nome não é importante, sorria, ao ver manhinha e João Pedro soltos no parque. Melhor assim. Deixe livres elas, as crianças que irão dominar o mundo. "Elas não sabem nada" - acha Pai - "melhor que fiquem soltas, corram e caiam e se levantem, para cair mais uma vez, enquanto ainda podem". São apenas crianças, não as fruste Pai, deixe-as correr, pra que a pressa, ninguem é tudo, jamais será. Deixe a vida, que com seus dados jogue por ele. Ainda sim, Pai não nos ouve, não é eu ou você que mudamos o rumo de João Pedro. Ele é um natimorto, como todos nós se você pensar bem.
Ainda sim é dificil olhar alguem assim, distante, cercado por uma neblina, que nem o mais tórrido calor de filha amorosa, fruto de um desfarelada tentativa de familia consegue quebrar. Um pai assim, ainda que o coração de João Pedro não o aceite como tal, um pai que batalha e labuta e não perdoa, até num belo domingo julino, e ainda não ganhou o devido espaço no coração de João.
Mas não é culpa dele não, acho que minha, já que como disse, ele é um natimorto, todavia, é um natimorto especial. João nascera assim, lugar comum, indesejado, amaldiçoado na sua primeira inspiração no novo mundo. Por que de fato era anjo, queria provar da vida, mesmo que lhe fosse dito que não. Rebelde, deu as costas ao seus compatriotas anjos e foi mergulhar naquela tambem quente tarde de Setembro de 1996. Desde então esse anjo se chamava João Pedro.