terça-feira, 17 de agosto de 2010

Respostas

Agora a história começará a ficar interessante. De volta as aulas, João estava mudado, não era mais João, se notava isso. Introspectivo e tímido, mal lembrava daquele menino arteiro que se interessava só em paquerar todas as meninas da escola. Estava acuado e esperançoso. Olhava para a paisagem, dispersando as vozes do professor, que insistia na árdua tarefa de cavar poços de água nas dunas do deserto.

João fazia o mesmo. Olhava as nuvens e se esforçava. Se esforçava bastante, mas ao ponto de arder os olhos de tanto olhar ao sol. A aula passeava pelos ouvidos desatentos, pelos olhos cegos com o brilho do sol. Tentava achar o "não sei o que" lá em cima, bem alto, bem alto. Direcionava os ouvidos em busca de uma voz, um suspiro, qualquer coisa. Parou de paquerar tanto, de se envolver com todas as coisas que lhe diziam que era errado. Parou de fumar detrás do muro com os mais velhos, de se meter em brigas, de mentir para conseguir dispensa das aulas extras, de perambular tardes a fio procurando um breve lazer ou entretenimento, de atirar pedras ao pássaros, de...

Estava santo, maculado. Esperava dali que uma aura branca aparecesse e lhe iluminasse a cabeça, que lhe falasse "Tu és o mais santos dos meninos...", que lhe desse base, respostas, essas que a escola não respondia. Por isso, a quase uns 2 ou 3 meses olhava, esperava um bicho celestial, com que poderia confidenciar suas faltas e saber mais daquilo que a escola não sabia. Chegou a improvisar uma reza, de murmurinhos e palavras soltas, mas com o pedido claro, que lhe tirasse as perguntas não caladas, o vazio que lhe batia o peito, que lhe não dava a certeza. Queria saber para que lhe ao menos soubesse que estava ali por um porque. Que naquele mundão haveria alguém com que o sentimento de ficar perto não fosse apenas temporário. Por isso se afastara de Raquel e as outras.

E com isso mais tempo se passou. O sol era o mesmo, mudo e inflexível, brilhando o mesmo. Os dias, ignorando a mudança de João continuaram impassíveis. As duvidas, continuavam martelando a cabeça, sem resposta. A dor de cabeça existencialista latejava no peito e mente dessa pobre vida. Arrastava com ele, o olhar para o distante além. Até o dia em que João cansou de ouvir o nada, de esperar por uma resposta. Descobriu que até a mais brilhantes mentes pereceram nessas perguntas. Que ninguém sabia e que todos se faziam de saber, quando no fundo eram como ele, meninos confusos e perdidos. Não sabia de nada João, não sabia de nada a escola, não sabemos de nada, nós.

Por fim, cansado, João superou essa fase, engolindo as dúvidas, aprendendo com elas e as guardando para si. Por nada e ninguém sabia delas. João, voltou os olhos a carteira da escola. A boca ao cigarro e as outras bocas, os ouvidos às mentiras. Começou a reaprender a mentir e achar que santos eram apenas mentirosos sem remorço. João voltou a ser João, a ser humano e não o que ninguém jamais seria. Sobrehumano. Estava para enterrar a quem ja estava morto há muito tempo.