domingo, 7 de fevereiro de 2010

E ele ainda olhava concentrado, distraido a parede do túnel do metrô. Olhava com a mesma atenção com que se dedicava as coisas mais importantes. Não tinha consciência disso, mas se distraia de forma quase que misteriosa, hipnotizado com o não sei o que, a parede lhe contava historias e coisas curiosas. Contava as estações com o entrar e sair de gente do vagão, com a mão esquerda cuidava para que maninha Lucia não lhe fugisse do alcance. Não sabia ao certo de seu passado, e esses últimos tempos em que vivia na casa com pai e maninha eram bons, diferentemente das outras vezes.

E de cara ao vidro, prestava atenção a respiração. "Estação Ana Rosa"... Inspira, a vida com pai e maninha era mais calma que as outras. Expira... a parede volta a andar, era como se ele tivesse vivido com eles desde sempre... e o passado? Inspira... João não tem certeza de seu passado, não era como o embasado do vidro, que poderia ser limpo, era uma neblina densa e clara, e subitamente nada mais estava no lugar... Segura a respiração... o que aconteceu, onde está tudo, não passa apenas de uma névoa branca e densa, e os vultos, o que eles são?... Respira João... as cores se embaralham, o vagão se move, sem João saber o que há a frente ou atrás, apenas segue o trilho... respira João... o vagão seguia no escuro e João somente olha pela janela, por que não há nada de dentro...

João, quase roxo, volta a respirar ofegante, suando. maninha não percebe nada, apenas olha curiosa e pergunta se estão perto. "A gente tá sim, o escritório do pai tá pertinho maninha", ao voltar a ver a superfície, já vê que é noite. E segurando firme o braço de maninha segue pela avenida dos vultos e luzes. A cidade corria. João e maninha seguiram, de mochilas nas costas, cruzaram a rua, e na calçada um homem de preto se aproximou por detrás com uma navalha, anunciou o assalto e pediu o que eles tinham. Paralisada, maninha lacrimejava de medo, as pupilas estavam dilatadas. ela olhou para João, que inerte, analisava o homem. O homem gritou, e vendo que nenhum deles reagia, colocou as mãos nos bolsos em busca de alguma coisa de valor. João o fitava serio, maninha chorava de medo. Estava agarrada a João, que atônito, não sabia o que fazer. O bandido, rapidamente pegou o que conseguira, quando ouviu João murmurar: "Somos apenas crianças".

E antes que alguém se desse conta o homem correu a avenida movimentada, não compreendia o que havia visto naquele menino, no meio da rua, olhou mais uma vez. maninha estava abraçada, com medo a João, que fitava e dizia, "somos apenas crianças". Era como se ele os conhecesse - talvez eles o lembrassem dos filhos pelos quais fazia isso. Seu olhar era de um meliante vazio, mas dalí se via a confusão, que o fazia hesitar, parado, hipnotizado. E ecoando como um grito, uma luz o atinge e o arremessa metros de distância, de olhos abertos, em frente ao metrô daonde os meninos haviam saído. maninha gritou e chorou mais, se abraçou com todas as forças com João que, como estivesse ausente de tudo aquilo estava parado. Sangue escorria pelo asfalto e as pessoas cercavam o corpo.

Era um bandido que havia roubado 2 crianças com uma faca, morto na avenida. "Bem justo" disse algum vulto. João deixou maninha, que estava em prantos na calçada, andou calmamente ao corpo e recolheu o que lhe pertencia. João não tinha certeza de quem era o homem, mas era como seu o houvesse visto antes. Olhou nos olhos, a principio curioso, botou a mão no sangue esparramado. Os olhos olhavam o escuro acima de ambos, sem estrelas hoje. João se afastou, correu com as coisas de volta a maninha e lhe entregou as coisas roubadas. Voltou a caminhar rápido e serio. maninha não sabia o que dizer e tentava segurar o choro. João caminhava pasmo, havia visto a sí próprio, sorridente e alegre, nos olhos do homem morto.