sábado, 18 de julho de 2009

Manhã

Domingo, provavelmente umas cinco horas, uma auréola dourada, precisa, imutável erguía-se na parede leste do condomínio, ainda domingo o Sol tem que se colocar de pé, ainda que menos pessoas o vejam fazer-lo. O Sol é um vaidoso, torna magnífico e único o ato de erguer-se da mesma velha serra que à séculos permanece discreta e a mesma, apesar de alpinistas todos os anos subirem cada vez mais, a fim de fincar seus barracos em suas encostas. O Sol já se colocara em seu lugar uma hora depois, brilhante, ofuscante, assustando fantasmas, monstros e o frio da madrugada. A luz agora bate mais forte sobre a janela dela, mais ainda nada.
Ao contrário dos outros dias este dia o apartamento está ligeiramente mais preguisoso que o usual. Seus inúmeros olhos fechados, sua garganta quieta, sem tumulto, nem cochicho, risada, só o silêncio, vivendo uma prematura prolongação, até os pássaros nas gaiolas estão mudos, congelados, a vida está em pause. O único sinal de vida naquele bairro vinha de fora dele. Uma avenida fazia um leve ruido para romper e competir com monótono som daquele nada.
Já são oito horas, sua janela ainda está trancada, vedada dos raios de Sol. "Ora acorde maninha Lúcia, ninguem veio ver você dormir nestas cobertas que te seduzem, a fazem rir a toa, e a tornam invulnerável ao dia. Saia desses sonhos, acorde, até nós os sonhos precisamos descançar e sonhar, para sobrevivermos a mais uma noite laborosa de sonhos de menina avoada.". Ela continua imóvel, impenetrável, sorridente.
Maninha Lúcia deve ter uns 9 ou 10 anos, seu irmão já tem 12. Ela não gosta do Sol, por ser sua antítese perfeita. Dificilmente maninha sai em dias que ele está insuportável com seus raios arrogantes, que zombam e queimam do lusco-fusco da pele clarinha de maninha Lúcia. Prefere dias menos ensolarados, onde ele não tem como perturba-la, por esta preso entre nuvens, que a cobrem e a protegem e seus sonhos.
Oito e meia, já não era possível mais ficar alí. Finalmente o pai veio e abriu a janela, fazendo com que o Sol invadisse o quarto, e com seus raios, desse seu bom dia, que aquecia o ombro nú de maninha. No mesmo instante, seus olhos abriram, num movimento simultâneo ao abrir da janela, eram um par de jabuticabas brilhantes. Seus cabelos morenos estavam soltos pelos travesseiros e a regata desarumada, que exibia sua inocente e jovial pele, era puxada por um João Pedro sorridente, que de pé, insitentemente a acordava para sair brincar na rua. Aliviados, os sonhos de maninha Lúcia foram dormir, para exaurir outros sonhos.
Com a vinda dela ao mundo neste domingo, as coisas finalmente passaram a andar, os carros saíam, os pássaros cantavam, os apartamentos acordavam, tudo passava a andar, quase que simultaneamente. O Sol sorria, mas estava tolerante naquele domingo. Era um dia sagrado, e o Sol precisa respeitar o pagão ou não pagão nosso.
Ou é o mundo que vivia a serviço de maninha, ou ela já não pertencia a este.

segunda-feira, 6 de julho de 2009

Tédio

Era assim, do jeito que estava, naquele miasma causado pela nuvem formada por 15 cigarros fumados coletivamente, ao pé do muro do colegio, num terreno largado, a sombra de um ipê. Era alí que estava tudo bem, era ali sua paz. As melhores manhãs de joão Pedro começaram alí. Ele já não fumava, só curtia o cheiro, a roda era composta, na sua maioria de rapazes no mínimo 5 anos mais velhos do que ele, o que o tornava o mascote da turma. Tinha uma graça que encantava, respirava e fedia e depois passava a usar cigarros e destilados, matando aulas de portugues, matematica, geometria e desenho, que nunca prestavam mesmo.
Todas as quartas e sextas ele pulava aquele muro e era livre, livre dessas coisas estúpidas que nos rodeiam, ele era livre. Lá era que ele de fato soube e se tornou o que no futuro atual ele seria. No meio daquele caos de risadas, amores e fumaça por dentre os raios de sol, é que cresceu o verme de João Pedro, que irá desdobrar para sempre em todos quem o viram passar.
Enquanto isso, passaram tardes e mais tardes, no começo ele qundo era bem-vindo ficava recluso num canto, como se fosse um excluido, mas como as tardes eram sempre as mesmas, o silencio foi-se desfazendo, e a tarde alongando-se, entre o conversar e as risadas juvenis de um garoto de 10 anos. Eles aos poucos o foram integrando, mostrando como não ser, os truques que todo o menino que se diz menino deveria saber.
E fosse como fosse, João Pedro absorveu todas aquelas tardes, de um verão anormalmente quente e seco, o que ressaltava as cores, até que o dia se tornasse noite. Assim já se iam 3 meses, e ele mudava, mexia, provocava e conquistava um espaço na mente de todos. Seja no ódio de quem os repreendia, aos beijos de quem era preso a ele.
Mas faltava alguma coisa, isso foi o que sentiu após a festa de Juli. Isso 2 anos depois. Ainda sim sua mente tinha o cheiro daquelas manhãs emendadas. Antes em tardes, depois em noites.