sábado, 17 de outubro de 2009

Amanhã

Passaram-se 2 meses daquele que fora o revellion de sua vida. Desde então não voltaram a se ver ou falar. Aline acabou por acreditar ter perdido por aí o papel que Rafael lhe havia anotado seu número, "provavelmente ele tenha esquecido" - dizia ela, deixando que dias e semanas se passassem. Afinal, eram estranhos, não só entre eles, como para eles também. Casualidade é o único que possuem em comum.

Aline acordou agitada aquele dia, havia tempos que não era a mesma. todavia hoje tinha um sabor especial. Era seu primeiro dia como advogada, no escritório no coração da Av. Paulista, cortesia das boas amizades de seu pai. Desde cedo respirava a nova etapa da vida. Entusiasmada, disfarçava a sensação estranha e ajeitou-se logo. Olhou por 10 minutos delicadamente no espelho, buscava entre as expressões, aquela que lhe melhor vestisse com o momento. Por fim olhou o relógio, saiu apressada do apartamento, não sabia o que lhe esperava. A descida do elevador foi lenta, o tempo acelerava, enquanto tudo corroborava para o atraso. Que belo jeito de começar a carreira. Uma leve dor na ponta do estômago a atrapalha. Uma pontada funda e insistente. Por um momento se perdeu no espaço do elevador, olhou ao chão, continuando a acreditar que era somente a ansiedade.

Tomou um comprimido no carro e se deu por satisfeita. Seguiu. A dor era insistente, cutucava e tomava pouco a pouco o ânimo. O que afinal se passava? Ela não sabia, achava que era uma azia, incômodo. Vacilava a cada nova pontada, como se um monstro respirava por dentro dela. Aline agonizava no congestionamento, pensou por um instante voltar, diria que estava mal e não poderia trabalhar. Iria ao medico, quem sabe poderia ser algo grave, algo que poderia piorar caso ignorado. Mas ao se ver a poucas quadras, desistiu, engoliu mais uma vez a dor e foi em frente.

O escritório estava a 14 andares acima da Av. Paulista. Atraso, Aline subiu ao elevador mais uma vez. Saindo foi logo falar com a secretária, que mexia atenciosamente no computador, com poucas e desinteressadas palavras apontou em direção do escritório. Seguiu pelo corredor sozinha, tropeçando nos próprios passos, enquanto o corredor aumentava, a medida que ela corria. Finalmente. Bateu a porta, "Doutor Roberto, bom dia!":
- Ah sim, Aline, filha do senhor Gustavo Heckenbauer
- Sim senhor, advogada Aline Heckenbauer - ela orgulhava-se e fazia questão de repetir, advogada! - me desculpe o atraso, eu ainda ...
- Não tem o que se desculpar, quem nunca se atrasou na vida? - apenas não faça disso sua marca, tudo bem?

Passaram a debater detalhes desinteressastes, coisas fúteis e detalhes técnicos sobre como funcionavam as coisas por ali. Ela sorria, vestindo a face que cuidadosamente escolhera no espelho mais cedo. Todavia, se entrássemos por dentro da roupa, da carne, dos orgãos, enxergaríamos a dor, o enjoo e a náusea que pediam para serem ouvidas, enxergaríamos que gritavam e aos poucos derrubavam Aline, alongando o tempo, e perpetuando a dor, até um ponto que se atingiu um limite, e explodiu com um desmaio, na reunião dos associados, onde ela, advogada Aline Heckenbauer era formalmente apresentada.

Longe dali, Rafael deveria acordar cedo, se não fosse que estava na cama, deliciando-se do sexo que tinha direito na faculdade que não queria estudar. Desde aquela noite de revellion, as coisas passaram a desandar em seu comportamento. Passou a vadiar, correr atrás das garotas que ele havia prometido passar longe naquele momento. Acabou por não passara na faculdade, e resolveu fazer medicina ali por perto.

Estava atrasado, mas dormia um sono despreocupado, que se mexia e se tocava instintivamente contra o corpo da outra. O sol lhe bateu na cara, assim como faria em maninha anos depois. Bateu fundo e forte, ofuscando os olhos de Rafa. 10 da manha e o telefone toca. Uma, duas, várias vezes, rompendo com o sono dele. A garota de ontem a noite já havia ido, deixando apenas seu aroma caro, e a memória de uma noite para Rafa. Toca e toca e toca mais ainda. No fim ele se dá por sozinho, e antes que parasse de tocar chegou a cômoda, do outro lado do quarto. A voz parecia familiar, mas ele não sabia exatamente como, ele tentou improvisar, achava que poderia ser engano, até que o sol se apagou, tudo entrou em pausa, Rafa entrara em transe, parou de respirar e pela primeira vez sentiu o tempo parado, congelado, e um arrepio que lhe subiu e lhe sacudiu. Um nome e uma palavra bastaram. O nome era Aline, a palavra, grávida.